Num mundo em constante transformação, a capacidade de solucionar problemas, a flexibilidade para encontrar soluções alternativas, a capacidade de processar e captar ideias existentes para criar algo novo, são habilidades imprescindíveis para que o indivíduo seja capaz de adaptar-se e prosperar no seu meio. A criatividade surge como uma característica extretamente valorizada, mas muitas vezes interpretada como um dom artístico ou algo inato, quando cada vez mais estudos apontam que é uma característica que pode ser apreendida, aprimorada e está extremamente ligada ao ambiente tanto educacional como familiar.
Neste contexto uma educação segundo a metodologia desenvolvida por Maria Montessori atende os critérios associados a um melhor desempenho de alunos no que diz respeito à sua criatividade.
Um estudo realizado nos Estados Unidos comparou mais de 140 alunos tanto de escolas tradicionais como montessori e verificaram que os alunos da segunda apresentavam resultados melhores nos modelos utilizados para mensurar a operacionalização da sua capacidade criativa.
Muito mais do que competência artística ou plástica, a criatividade pode ser definida como a capacidade para solucionar um problema, desenvolver uma nova forma de pensamento que preenche uma lacuna existente, conceber um novo produto ou forma de entretenimento ou expressão. A criatividade e a imaginação andam de mãos dadas, alicerçadas em experiências de vida, intuição ou pensamento crítico e que, por consequência, levam à inovação.
Embora seja muito difícil avaliar a criatividade de um indivíduo e as áreas onde pode ser aplicada, alguns aspetos da criatividade foram avaliados em estudos na área da psicologia para aferir a sua expressão verbal e gráfica ou a expressão racional. Nesta última categoria da criatividade, por assim dizer, os testes avaliam o pensamento divergente, ou seja, a capacidade dos indivíduos explorarem a resolução de problemas gerando múltiplos resultados a partir de uma ideia original existente. No entanto, estes testes não avaliam de forma objetiva o pensamento convergente, ou seja, a capacidade de combinar elementos e apresentá-los em novas formas.
Alguns estudos posteriormente passaram a incorporar o modelo EPoC (Evaluation du Potentiel Créatif, do estudo original em Francês) ou Avaliação do Potencial Criativo que envolve uma combinação de avaliações em diversas áreas desde escrita, desenho, resolução de problemas, social, entre outras.
Uma coisa tornada evidente pelos estudos é que a criatividade beneficia de um ambiente que estimule a autonomia no processo de tomada de decisões e a capacidade de correr riscos.
Como o ambiente Montessori potencia a criatividade?
Existem muitas razões para acreditar que o ambiente que uma escola Montessori proporciona contribui diretamente para uma maior criatividade. Por exemplo a liberdade e a independência desde muito cedo para escolher as atividades a serem desenvolvidas, a própria estrutura das escolas, os ciclos de trabalho que promovem a concentração sem interrupções do fluxo natural da criança, o respeito e colaboração, mas se tivermos de destacar uma razão seria a ênfase na motivação intrínseca.
Um ambiente que fomenta uma maior tolerância ao risco, maior flexibilidade cognitiva e aceitação da ambiguidade ao não valorizar notas e recompensas, assim como estimula a aprendizagem através da experiência e da repetição, com o professor agindo como guia e não como uma figura central de transmissão de conceitos, faz com que a criança se habitue a pensar por si própria, a desenvolver uma capacidade de colaboração mais refinada, individualidade e auto-confiança.
Maria Montessori considerava o erro um aliado no processo pedagógico, como dizia: “nenhum estudo pode ser levado a sério se o resultado não for acompanhado do erro provável” (A Mente da Criança, pag. 229), assim a criança deve ser capaz de reconhecer onde e como errou e corrigir o seu erro pelos seus próprios meios, sem que ninguém precise de lhe chamar à atenção ou causar algum embaraço à frente dos seus pares. O benefício que daí advém é uma personalidade segura de si e das suas capacidades, não temendo o ato de errar mas sim abraçando-o e com ele aperfeiçoar-se.
A escola tradicional prejudica a criatividade?
A mundialmente famosa TedTalk de Sir Ken Robinson em 2006 lançou a provocação “Será que as escolas ‘matam’ a criatividade das crianças?“
Sabemos que infelizmente nem todas as crianças têm a oportunidade de frequentar um ensino que respeite a sua liberdade em ser quem são, pelo que não é nossa intenção incentivar o alarmismo, no entanto enquanto pais, educadores, sociedade, é nosso dever garantir que as crianças recebem uma educação que as prepara para os desafios do futuro e as equipam para tomar decisões positivas no mundo de hoje. A opinião desse especialista é de que a escola tradicional não estimula a criatividade, pelo contrário, ela educa as crianças para não serem criativas de todo, “matando” a sua curiosidade, a base da criatividade segundo o mesmo autor.
Assistimos a uma educação altamente industrializada, que ainda prepara o indivíduo para seguir ordens e ser um trabalhador e não um criador, que mede a competência e o desempenho dos alunos por médias e avaliações padronizadas, e não pelas reais capacidades de cada ser humano, que podem ser múltiplas.
Este autor que foi uma referência internacional no campo da inovação e da criatividade na educação, acreditava que as escolas que demonstravam mais proximidade com o que considerava uma escola ideal eram aquelas que desenvolviam um ensino prático, que valorizava diversas competências, a curiosidade, a colaboração e um ambiente de interdependência.
Qual o papel do ambiente familiar?
Desde o início, a criança aprende com tudo o que encontram ao seu redor. Muito antes de ir para a escola, a criança tem interesse em explorar o seu ambiente. Se este se mostrar um local de proibições, que não fornece a segurança necessária (consulte na página 68 do livro “Método Montessori: Educar na liberdade” o sistema que propomos para lembrar o que é importante no ambiente ou nos materiais, o sistema S.O.L.A.R, um ambiente que prima pela Segurança, Ordem, Liberdade, Autonomia e Respeito), a criança verá o seu esforço para realizar atividades espontâneas provavelmente prejudicados, com um adulto constantemente a interromper para salvaguardar a proteção dos seus bens em vez de estar focado no melhor para o desenvolvimento da criança.
Maria Montessori afirmava que as necessidades da criança são simples e, enquanto nas escolas montessori existem materiais específicos para suscitar o interesse e concentração nas crianças, a lógica da simplicidade e da atitude de respeito para com a criança podem ser carregadas para o seio familiar. A criança precisa do seu espaço, de liberdade para agir e interagir com o ambiente conforme os seus interesses. Ela precisa viver experiências no mundo real, observar as dinâmicas sociais na sua comunidade. Estas são as bases para que o pensamento criativo se desenvolva plenamente no futuro.
Nós, os adultos, precisamos de nos lembrar que não apenas os músculos e o corpo da criança se desenvolvem através do movimento, mas também a sua inteligência, assim como a sua capacidade para utilizar o pensamento lógico, intuitivo e criativo, alcançando assim o seu máximo potencial humano.